quinta-feira, setembro 27, 2007

Exercitar a Vontade Naquilo que Podemos Ter de Melhor


Ponho-me a pensar na quantidade dos que exercitam o físico, e na escassez dos que ginasticam a inteligência; na afluência que têm os gratuitos espectáculos desportivos, e na ausência de público durante as manifestações culturais; enfim, na debilidade mental desses atletas de quem admiramos as espáduas musculadas.
E penso sobretudo nisto: se o corpo pode, à força de treino, atingir um grau de resistência tal que permite ao atleta suportar a um tempo os murros e pontapés de vários adversários, que o torna apto a aguentar um dia inteiro sob um sol abrasador, numa arena escaldante, todo coberto de sangue - não será mais fácil ainda dar à alma uma tal robustez que a torne capaz de resistir sem ceder aos golpes da fortuna, capaz de erguer-se de novo ainda que derrubada e espezinhada?!
De facto, enquanto o corpo, para se tornar vigoroso, depende de muitos factores materiais, a alma encontra em si mesma tudo quanto necessita para se robustecer, alimentar, exercitar.
Os atletas precisam de grande quantidade de comida e bebida, de muitos unguentos, sobretudo de um treino intensivo: tu, para atingires a virtude, não precisarás de dispender um tostão em equipamento! Aquilo que pode fazer de ti um homem de bem existe dentro de ti. Para seres um homem de bem só precisas de uma coisa: a vontade.


Em que poderás exercitar melhor a tua vontade do que no esforço para te libertares da servidão que oprime o género humano, essa servidão a que até os escravos do mais baixo estrato, nascidos, por assim dizer, no meio do lixo, tentam por todos os meios eximir-se?
O escravo gasta todas as economias que fez à custa de passar fome para comprar a sua alforria; e tu, que te julgas de nascimento livre, não estás disposto a gastar um centavo para garantires a verdadeira liberdade?!
Escusas de olhar para o cofre, que esta liberdade não se compra.
Por isso te digo que a «liberdade» a que se referem os registos públicos é uma palavra vã, pois nem os compradores nem os vendedores da alforria a possuem.
O bem que é a liberdade terás tu de dá-lo a ti mesmo, de o reclamar a ti mesmo! Liberta-te, para começar, do medo da morte (já que a ideia da morte nos oprime como um jugo), depois do medo da pobreza.
Para te convenceres de que a pobreza não é em si um mal bastar-te-á comparares o rosto dos pobres com o dos ricos.
Um pobre ri com mais frequência e convicção; nenhuma preocupação o aflige profundamente; mesmo que algum cuidado se insinue nele depressa passará como nuvem ligeira.
Em contrapartida, aqueles a quem o vulgo chama «afortunados» exibem uma boa disposição fingida, carregada, contaminada de tristeza, e tanto mais lamentável quanto, muitas vezes, nem sequer podem mostrar-se abertamente infelizes, antes se vêem forçados, entre desgostos que lhes roem o coração, a representarem a comédia da felicidade!

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

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