quarta-feira, outubro 10, 2007

É a Ganância...


Costa da Caparica: a novela continua



Em Abril do ano passado publiquei uma crónica, como Provedor do Leitor, com o título “Costa da Caparica: foi um mar que lhe deu…” acerca das atribulações das dunas na praia da Costa da Caparica assim como das reacções, mais ou menos descabidas, de alguns intervenientes na apreciação do tema.
Passados alguns meses o assunto, que era de âmbito local, passou a ser nacional com aberturas nos Telejornais e copiosa informação, sempre acompanhada por fotografias mais ou menos dramáticas, publicada nos principais jornais nacionais. O nosso jornal continuou a acompanhar o assunto mas, talvez devido à proximidade do local e da experiência anterior sobre ao assunto apresentou sempre uma informação menos sensacionalista do que a maior parte dos seus colegas.

Em relação a Abril de 2006 é interessante notar que agora saíram protagonista, outros ficaram e até ampliaram as suas declarações e entretanto novos intervenientes surgiram no processo.

Os proprietários dos bares assim como o inefável presidente da Junta local continuaram activos nas declarações mas, entretanto, os políticos prudentemente retiraram-se da polémica uma vez que sentiram que o assunto era delicado e complexo.

Uma das razões da mediatização deste tema prende-se com os três partidos políticos envolvidos que assim podem passar rapidamente de acusados a acusadores conforme o ângulo pelo qual se vê o assunto. Com efeito o presidente da Junta local é do PSD, a câmara de Almada é da CDU e o governo é do PS. Assim se compreende os diversos argumentos e explicações dadas pelos vários intervenientes. Quem está na oposição lança as culpas para a maioria que governa e esta tenta desviar as atenções para quem governou antes ou então para uma outra instituição que seja de uma partido da oposição.

Em Abril de 2006 as soluções apresentadas pelos intervenientes mais activos, o presidente da Junta e donos dos bares, eram, em resumo “ mais areia para a praia”. Passados uns meses e após o Instituto da Água ter lançado milhares de metros cúbicos de areia e mais de um milhão de euros para a praia, os anteriores “especialistas”, os que pediam mais areia, mudaram de opinião e apontam outras medidas como, por exemplo, "é preciso uma cirurgia mais profunda nesta zona e não um penso rápido”.

O presidente da Junta inicialmente apontou para uma “obra de engenharia dura”, expressão vaga e sem qualquer significado em engenharia. Passados uns dias já apontava a “ colocação de um esporão submerso na zona entre a Cova do Vapor e o Bugio para prevenir o avanço do mar nas praias de São João”. Esta, do esporão submerso, deve ser uma originalidade a nível mundial...

Mas a população local também apresentou “soluções” pois de quando uma visita ao local o presidente do Instituto da Água ouviu alguns “mimos” como; “fartos de ver jogar dinheiro fora", depois "estão a roubar o povo", ainda "deviam ir todos presos" e finalmente "isto está a ser feito por técnicos de gravata que não saem dos gabinetes". Uma sugestão interessante foi dada por um praticante de surf que indicou “criar um recife artificial e fazer o aproveitamento da energia das ondas", ou então um pontão para "fazer as ondas rebentar antes". Com soluções deste calibre venha o diabo e escolha...

O proprietário de um dos bares ameaçados pelo avanço do mar também falou à imprensa e, claro, apenas se preocupou com o seu bar acabando por afirmar que o “apuramento de responsabilidades seguirá nas instâncias competentes”. Talvez fosse por já estar farto de ler declarações deste quilate que um leitor do jornal “Correio da Manhã” deu a sugestão, irónica de se “construir uma muralha de quatro metros de altura desde Sagres até Caminha e depois o Governo colocar o Mar em tribunal exigindo uma reparação por perdas e danos”...

Como é habitual em Portugal não podia faltar uma “comissãozinha”, agora mais modernamente de “acompanhamento”. Esta será composta por elementos dos órgãos autárquicos locais, por técnicos do Instituto da Água e por “outras estruturas da administração central”, termo vago que dará para encher de tal maneira a comissão que assim ficará inoperante.

Entretanto os poderes municipais também reagiram e no dia 22 de Janeiro reuniu a assembleia municipal de Almada para tratar deste assunto. A solução encontrada por consenso foi “o enchimento artificial de areia”. A solução do presidente da Junta, o “esporão submerso para conter a força das águas”, não foi aceite mas, como que a alardear uma pequena vitória do senso comum, segundo aquele autarca ela também não foi “tecnicamente inviabilizada”...

A associação ambientalista Quercus, entretanto propôs uma solução muito simples “não ocupar a faixa costeira” pois esta deverá recuar entre 14 a 16 metros nos próximos 50 anos. Esta associação até teve o arrojo de dizer uma heresia quando sugeriu que simplesmente nada se fizesse.... Mas como estas soluções não permitem fazer “brilharetes” e até se podem considerar “economicamente incorrectas”, devido aos interesses diversos em causa, claro que nem sequer foram comentadas por nenhum dos protagonistas nesta “novela marítima”.

A situação das praias da Costa da Caparica, neste início de 2007, é interessante. A Junta de freguesia quer obras “duras” ou então “submersas”, os donos dos bares querem ser indemnizados pelos prejuízos e ficar num local o mais próximo possível do mar havendo alguém, que não eles, que pague os custos dessa ocupação, os utentes pretendem gozar a praia no Verão e estacionar o seu carro o mais perto possível da praia e sem qualquer consideração pelo cordão dunar, a Quercus aponta para nada se fazer, a comissão de acompanhamento irá acompanhar não se sabe bem o quê e para quê, os três partidos políticos envolvidos no local irão tentar atirar para os restantes as culpas da situação salientando que as suas soluções são as mais correctas, o governo vai gastar cerca de 15 milhões de euros em areia na reposição da costa e no final disto tudo o mar, nas próximas dezenas de anos, continuará inexoravelmente a avançar pela costa dentro, algumas dezenas de metros, esteja esta deserta ou ocupada selvaticamente pela ganância humana.



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