sábado, julho 21, 2007

Para o Sistema, Tudo o que é Tradição é Para Abolir...Existir para quê, Não trás €€€...

Aguardente ameaçada na serra algarvia

Medronho: Bebida do presente ou tradição do passado?

A região algarvia tem vindo a evoluir a cada ano que passa, recebendo cada vez mais estímulos do exterior. Mas esta evolução pode conduzir a um esquecimento das tradições que ajudaram a caracterizar e consolidar o povo do Algarve. A aguardente de medronho também faz parte desta história e tradição.

Bruno Nunes Pedro Guerreiro


Não raras vezes, quando um cliente forasteiro chega a um restaurante, tasca ou café algarvio, é-lhe oferecido um «calcinho» da aguardente de medronho, uma bebida típica carregada de tradição e hospitalidade. Esta bebida, símbolo da serra algarvia, representa algumas das tradições e vivências do povo que, em tempos, viveu da terra e do que esta lhe dava. A cortiça, a alfarroba, a azeitona ou os produtos cultivados eram das poucas formas de garantir a subsistência de muitas famílias. Também o medronheiro, arbusto abundante nas serras algarvias, constituiu, em tempos, uma forma de rentabilizar os recursos. O progresso, a desertificação e as exigências legais em termos de higiene e segurança alimentar alteraram esta realidade. Entre produtores legalizados e pessoas que fabricam medronho para um consumo quase familiar, as queixas multiplicam-se. As exigências burocráticas e os custos de produção, aliadas a uma fiscalização cada vez mais exigente ameaçam matar uma tradição que faz parte da cultura algarvia.


Medronho na Serra do Caldeirão…
A Serra do Caldeirão, outrora rota dos almocreves – homens viajantes comerciantes que percorriam a Serra e o Alentejo montados em burros transportando os produtos a que as pessoas não tinham fácil acesso – sofreu mudanças consideráveis sendo hoje uma pequena amostra do que foi em tempos. Esta economia de almocreves e de agricultura de pequena dimensão quase não existe nos dias que correm, tendo sido engolida pela nova economia global. Os burros foram substituídos por modernas carrinhas de distribuição e o desenvolvimento rodoviário permite a qualquer um o acesso às grandes cidades, aos produtos massificados, a tudo o que é «do bom e do melhor», como diz o povo. A Serra do Caldeirão evoluiu. Existe agora uma maior reciprocidade entre a economia litoral e a economia interior, em que ambas ficam a ganhar. Os produtos artesanais têm agora um mercado maior, mas com este novo mercado vêm novas responsabilidades. José Manuel Gonçalves, produtor licenciado de aguardente de medronho tem a sua destilaria no sítio de Besteiros, freguesia de Ameixial, onde produz uma das aguardentes mais reconhecidas de toda a serra algarvia, a aguardente do “Zé Marafado”. Sobre estas novas responsabilidades, José Gonçalves adianta que a sua esposa, Orlanda Gonçalves, participou no curso da HACCP (Hazard Analysis Critical Control Points com tradução para Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo), onde são dadas indicações aos produtores sobre como proceder segundo as normas de higiene e segurança, de maneira a que a aguardente não seja prejudicial à saúde dos seus consumidores, educando assim quem faz a bebida para as novas regras de produção de bebidas alcoólicas. Segundo o produtor, a fiscalização da ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica – centra-se principalmente nas condições de higiene e de segurança no local onde é produzida a bebida, sendo descuidada a análise final da qualidade do produto. Na opinião de Orlanda Gonçalves “eles [ASAE] agora andam atrás dos impostos, desde há pouco tempo é que olham mais para a higiene e para as condições de trabalho”. Ainda assim consideram que, apesar do crescente número de análises às características desta bebida, os laboratórios não conseguem definir a qualidade de uma aguardente de medronho. Os produtores alertam também o consumidor para o momento de compra de aguardente. “A relação preço/qualidade é muito importante. Quando encontrarem uma garrafa de aguardente que seja a um preço muito acessível, é não acreditar na qualidade dela. A aguardente é cara logo no fruto. O produto final com mão-de-obra, imposto e fruto, nunca pode ser vendido barato”, salienta José Gonçalves. Existe também um preconceito acerca da aguardente ilegal, que é muitas vezes considerada melhor que a produzida de forma lícita. Segundo a Orlanda Gonçalves, isto acontece pelo facto das pessoas associarem o ilegal à produção caseira, “o que acaba muitas vezes por ser falso”, visto que a qualidade da bebida está dependente de vários factores. A qualidade do fruto, a arte e o engenho do destilador e os meios utilizados para a destilação são o que define o resultado final e a qualidade da bebida. A aguardente produzida pelo casal é vendida em feiras, a distribuidores, a cafés e a restaurantes, sendo um dos produtos mais reconhecidos do interior algarvio. Ainda assim, quando questionados sobre se compensa monetariamente produzir aguardente de medronho, a resposta é negativa, pelo menos se os métodos utilizados e a aguardente produzida forem genuínos, visto que implica muita disponibilidade de tempo e “a não utilização de essências” que subvertem o produto tradicional. Outro produtor, que não quis ser identificado, aponta as mesmas questões, especialmente a morosidade do processo e a necessidade de uma grande quantidade de medronho para produzir uma pequena quantidade de aguardente. Este produtor salienta também que o papel das entidades reguladoras na semi-profissionalização do processo e dos meios utilizados para produzir aguardente é importante, embora por vezes se mostre de uma maneira demasiado repressiva. É este o panorama da produção desta bebida característica da serra, onde alguns produtores lutam contra o esquecimento e o desaparecimento deste património regional.


… e na Serra de Monchique
Na Serra de Monchique, onde fica situado o ponto mais alto a sul do Tejo, a tradição já não é o que era. A produção de aguardente de medronho na Serra chegou a ser, na década de 50 do século passado, contabilizada em dezenas de milhares de litros, sendo utilizada até, virtude do seu baixo preço, para subir o teor alcoólico de certos vinhos alcoolicamente fracos. Actualmente, a produção é incerta e, em certa medida, obscura. Para os consumidores, ainda é isso que se pretende, que seja artesanal, caseira. António José da Costa foi o primeiro produtor a legalizar a sua aguardente de medronho na Serra de Monchique e, até há relativamente pouco tempo, pertenceu à Direcção da Associação de Produtores de Medronho do Barlavento Algarvio. Corria o ano de 1986 quando, sob a marca Cimalhas, o senhor Costa, como é conhecido, empreendeu todas as medidas legais necessárias para se iniciar na produção e comércio de aguardente de medronho, à época menos exigentes se comparadas com as existentes actualmente. Os impostos sobre o consumo eram inexistentes e os selos de qualidade alimentar eram facilmente adquiridos, ao contrário da situação actual em que a burocracia domina todo o processo. “Eu dependo de doze entidades oficiais! É uma coisa que as pessoas quase não acreditam…”, refere António Costa. A burocracia, bem como os elevados custos de uma actividade inserida no âmbito da indústria, torna incomportável a produção para inúmeras pessoas para quem o fabrico desta bebida havia sido sempre um complemento às economias familiares. Porém, o controlo à produção do medronho é de tal forma restrito que, actualmente, este produtor de Monchique receia que a produção de medronho esteja a ser, mesmo para consumo próprio, ameaçada. Segundo o site da ASAE, “a produção de aguardente de medronho destinada exclusivamente para consumo próprio não precisa de qualquer tipo de licenciamento”. Não obstante, têm sido feitas buscas e apreensões de quantidades irrisórias de aguardente – como 20 ou 30 litros – quantidades pouco significativas na globalidade da economia regional, salientou este produtor. Estes são entraves à produção de aguardente numa actividade já de si considerada pouco rentável, a que vêm acrescer os problemas dos incêndios e de falta de mão-de-obra, desqualificada e envelhecida. António José da Costa chegou a ter a seu cargo cerca de uma vintena de pessoas na apanha nos seus 57 hectares de medronheiros. Conta hoje apenas com um homem que, legalizado e trabalhando temporariamente a recibos verdes, situação que não lhe acarreta responsabilidades legais de qualquer ordem. O tratamento dado à produção de aguardente de medronho é díspar se comparado com a produção de licores insulares, que têm apenas 25 por cento de imposto sobre o consumo, em contraste com a produção continental em que o mesmo imposto ascende aos 50 por cento. Outra fonte produtora de aguardente de medronho, que preferiu manter o anonimato, refere o carácter tradicional desta bebida vincadamente algarvia: “o medronho já é uma tradição na minha família e em Monchique. Sempre se produziu da mesma maneira, principalmente para oferecer à família e aos amigos”. A produção de aguardente de medronho na Serra de Monchique não tem, segundo António José da Costa, perspectivas de futuro, devido a uma série de factores que, intrinsecamente ligados, determinam o fim desta bebida tal como a conhecemos hoje. Dela, ficará, segundo este produtor, o nome. De uma bebida perdida no tempo, nas pessoas, no emaranhado burocrático.


E o futuro da aguardente de medronho?
Não se augura risonho o futuro da bebida espirituosa mais característica do Algarve. Nas palavras de António José da Costa, “esta é uma bebida para acabar, carolice de velhos…” A constante pressão das autoridades, os crescentes impostos e a burocracia sem fim, que denunciam um profundo descomprometimento do sistema político com a tradição, são as principais dificuldades que travam o crescimento e desenvolvimento desta cultura, associado à desertificação e ao envelhecimento da população no interior.

1 comentário:

Anónimo disse...

Já comprei por diversas vezes aguardente de medronho na loja online www.aguardentedemedronho.tk que ainda é dos poucos sítios onde se encontra alguma capaz de ser ingerida de produtores independentes. Toda a outra que se encontra nas prateleiras dos supermercados é para esquecer. Demasiado terrivel! Quase, quase mortifera!