terça-feira, abril 10, 2007

Portugal: biodiversidade em chamas II, a encruzilhada

Vergonhoso!!!

Comum em toda a Península Ibérica até meados do século XIX, o lince Ibérico Lynx pardinus é actualmente o carnívoro mais ameaçado da Europa e o mamífero mais ameaçado do mundo.

O lince Ibérico ocorre na floresta e mata mediterrânica, preferindo uma mistura de arbustos densos e árvores que lhe fornecem abrigo, e pastagem aberta onde pode caçar o coelho bravo Oryctolagus cuniculus, a sua presa principal. O coelho bravo compõe cerca de 80 a 100% da dieta do lince, existindo pouca variação nestes valores, independentemente de variações geográficas, sazonais ou anuais. Este facto torna o lince um predador especialista.

No entanto, o lince é igualmente um especialista em relação ao habitat. Entre a lista de variáveis ambientais estudadas, a eliminação da floresta e mata mediterrânicas foi o factor mais importante na explicação da catastrófica redução de distribuição deste felino entre 1960 e 1990.


A mata mediterrânica inclui espécies como a azinheira Quercus rotundifolia, sobreiro Quercus suber entre outras espécies do género Quercus, nas árvores, Phillyrea spp., Arbutus unedo, Pistacia lentiscus, e Viburnum tinus entre os arbustos, e Cistaceae, Erica spp., Rosmarinus spp., Rhamnus spp., entre outras plantas menores. Oliveira Olea europaea silvestris, pereira Pyrus silvestris, Juniperus spp., e outras espécies podem também ser encontradas.


Em Portugal, a maioria do potencial habitat do lince Ibérico foi entregue à silvicultura. Durante a segunda metade do século XX a floresta e mata originais foram substituídas por plantações de pinheiro bravo Pinus pinaster e eucalipto Eucalyptus globulus, usadas para a recolha de madeira e fabrico de pasta de papel. A camada arbustiva é virtualmente inexistente nos eucaliptais e é removida periodicamente nos pinheirais, tendo como consequência a ausência quase total de coelho bravo nesses locais, por falta de abrigo e alimento. Com a sua dependência do coelho para a alimentação, as populações de lince sofreram um enorme declínio em poucos anos. A situação piorou com a praga de mixomatose, que matou mais de 90% do efectivo de coelhos bravos e os deixou muito vulneráveis à caça excessiva.


Estas evidências permitem concluir que o declínio e, quase de certeza, extinção do lince Ibérico em Portugal podem ser directamente relacionadas com o abate da floresta e mato nativos e, simultaneamente, o aumento da monocultura de pinheiro bravo e/ou eucalipto com as sua associada perda de biodiversidade. Infelizmente, esta é apenas uma de muitas histórias tristes, muitas outras estão escondidas nestas plantações, ameaçando seriamente a vida selvagem de Portugal.


Hoje em dia, a tendência para a plantação indiscriminada de pinheiro bravo e eucalipto continua, estimulada pela errada aplicação de fundos associados a um programa europeu de reflorestamento, cujo objectivo é tirar partido do abandono de terrenos agrícolas para melhorar a qualidade ambiental e aumentar a biodiversidade. Este plano financia a conversão de velhos campos agrícolas em áreas florestais.


No entanto, muitos matos mediterrânicos são classificados como terras improdutivas, sendo substituídos por novas plantações de pinheiro bravo ou outras espécies de crescimento rápido, como o eucalipto, espécies que não só não são a melhor escolha para recuperar a floresta mediterrânica, como ainda deterioram mais um solo já de si pobre em nutrientes.




Enquanto alguns programas da União Europeia apontam para a implementação de medidas de conservação, muitas áreas de mato e floresta são destruídas simultaneamente por empreendimentos financiados por outros fundos comunitários, como estradas, barragens e projectos de irrigação. Os agentes privados vêm mais lucro na utilização da floresta e mata mediterrânicas para estâncias de golfe ou para a caça grossa, ou mesmo silvicultura. Não existem incentivos sociais ou económicos para preservar os habitats naturais.



Todos os Verões a floresta e o mato são destruídos por fogos, muitas vezes reflectindo interesses económicos relacionados com a silvicultura, criação de gado, caça e urbanização. Quando uma destas novas formas de utilização da terra não é autorizada, os seus donos geralmente plantam nas áreas ardidas pinheiro bravo ou eucalipto, argumentando que, com a taxa de regeneração da floresta natural, o perigo de erosão do solo e de inundações é grave.


E eis-nos nesta encruzilhada: enquanto as cinzas dos incêndios deste Verão estão quentes, o governo já prometeu auxílio a quem pretende reflorestar as áreas ardidas, mas com o quê?
Esta pode ser a altura ideal para implementar novas políticas, promovendo uma utilização sustentada do uso da terra, com plantações de sobreiro, castanheiros ou carvalhos, fornecedores de bens muito valiosos, como a cortiça, a castanha ou a madeira nobre. Deveria ser reduzida a agricultura de regadio, pouco adequada aos solos portugueses, essencialmente pobres em nutrientes e sujeitos a terrível erosão após poucos anos de colheitas.


Promover o ecoturismo seria outra importante fonte de rendimento para as populações da zona, tirando partido da floresta de modo não invasivo. Uma pequena, mas crucial, contribuição pode ser dada por todos nós, exigindo mais unidades de reciclagem de papel e separando o lixo, usando menos derivados da madeira, o que reduziria a procura destes produtos e a necessidade de plantar mais árvores de crescimento rápido.


Estas ideias não são novas, nem originais, mas talvez agora que o terreno foi, literalmente, desbravado pelos incêndios deste Verão, possam ser postas em prática. O nosso papel será o de garantir que o governo, proprietários de terras e silvicultores seguem o caminho certo nesta encruzilhada.

Sandra Rocha
Bióloga e professora na Escola Secundária de Amora, Seixal




Para saber mais:
Referências:
Ficha do lince ibérico
IUCN Red List
Sistema de Informação do Património Ambiental
Direcção-Geral das Florestas
European Center for Nature Conservation
Instituto de Conservação da Natureza
Liga para a Protecção da Natureza
Quercus
Action Plan for the conservation of Iberian Lynx in Europe
Iberian lynx threatened - W.W.F.
Instituto de Conservação da Natureza
IUCN Red List - Lynx pardina
Pena, António et al, Roteiros da Natureza, Temas e Debates, Lisboa, 1996
Vários, Portugal Natural, Edideco, Lisboa, 1995

2 comentários:

Anónimo disse...

"Promover o ecoturismo seria outra importante fonte de rendimento para as populações da zona, tirando partido da floresta de modo não invasivo."
Uiiiiii, demasiado importante para morrer de fome. Acorda pa vida queque.
Ah, e linces? Já se foram...

Vítor Ramalho disse...

Agora temos é o Lino Ibérico.
Esperemos que os espanhóis nos mandem alguns exemplares para podermos novamente termos linces cá pela Lusitânia.