quarta-feira, dezembro 05, 2007

Vingança d’Ouro

O vereador Manuel Ramos (CDU), que em 2006 denunciou um esquema de alegada corrupção na Câmara de Silves, foi processado pela construtora Viga d’Ouro, que se diz prejudicada com a denúncia. O Ministério Público já o constituiu arguido. Ironia suprema: quanto à alegada corrupção, ninguém é arguido, pois nada se sabe das investigações da PJ.

O único representante da CDU no executivo de maioria laranja promete não ficar calado e denunciar uma situação em que “se está a tentar matar o mensageiro” e em que, até agora, só foi apanhado “peixe miúdo”, conforme disse ao Observatório do Algarve.


Manuel Ramos afirmou que foi chamado ao Ministério Público há mais de um mês e foi-lhe anunciado que a empresa de construção civil Viga d’Ouro lhe tinha interposto um processo-crime, pelo que seria de imediato constituído arguido.

Uma vez que se trata de uma acusação de atentado ao bom-nome da empresa, que invoca que terá ficado prejudicada materialmente, é de admitir que a Viga d’Ouro faça acompanhar o processo de um pedido de indemnização cível.


O proprietário da construtora com sede em Armação de Pêra, António Aleluia, remeteu para o seu advogado qualquer tomada de posição sobre o assunto, mas o causídico escusou-se a falar ao Observatório do Algarve, invocando o segredo de justiça.


“Nem sequer quero o meu nome no artigo”, requereu.


O caso remonta ao início de 2006 e motivou um inquérito interno, cujo prazo para conclusões foi sendo alargado por iniciativa da presidente da câmara, a social-democrata Isabel Soares, com o argumento de que era preciso alargar o âmbito das investigações, mas também com a necessidade de mudar de instrutor do processo.

Finalmente, em Março deste ano, a autarca anuncia as conclusões do inquérito: cinco processos disciplinares, que acabaram por resultar na suspensão de dois funcionários da câmara - entretanto já readmitidos -, no arquivamento de outros dois processos e no envio à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de um quinto processo, por o funcionário em causa ter sido entretanto transferido para aquele organismo.


Além de duas funcionárias da divisão financeira do município com processos arquivados, foram suspensos o chefe daquela divisão e o encarregado geral dos serviços urbanos, mas o engenheiro dos mesmos serviços regressou à CCDR.


“Ao regressar à CCDR, esse engenheiro escapou ao processo e ao que sei até já foi promovido depois disso”, acusa Manuel Ramos, garantindo que um pedido de transferência para o organismo da Praça da Pontinha tinha sido recusado semanas antes, quando ainda não havia escândalo.


Pelo caminho, e sem consequências até ao momento, ficavam as buscas efectuadas pela Polícia Judiciária há precisamente um ano – a 4 de Dezembro de 2006 - na Câmara de Silves, que incluíram o gabinete de Isabel Soares. Até agora, não há fumo branco para os lados da PJ de Portimão.


O vereador comunista denunciou um alegado esquema de favorecimento que envolveu uma empresa de construção civil, a Viga d’Ouro, responsável por inúmeras obras no concelho, que beneficiaria de cinco milhões de euros em empreitadas sem qualquer concurso público.


De acordo com Manuel Ramos – que se limitou a trazer para a praça pública uma conclusão da direcção de Finanças de Faro -, para escapar à necessidade de concurso as empreitadas eram “pulverizadas” em fragmentos de mini-empreitadas de não mais de cinco mil euros cada, o que legalmente faz dispensar a obrigação de concurso.


“Entre 2004 e 2007 chegaram a facturar três vezes acima do preço normal de mercado”, reitera o vereador da CDU ao Observatório do Algarve, afiançando que o esquema passava sobretudo pela conclusão de obras não concluídas pelos empreiteiros anteriores.


As estradas e o saneamento básico eram os principais alvos, de acordo com o único membro CDU do executivo de maioria laranja, que sublinha que o afã das obras sem concurso se deveu em boa parte à necessidade de acabar obras nas vésperas das eleições autárquicas de Outubro de 2005, em que Isabel Soares foi reeleita.


O vereador comunista constituído arguido garante que, ao processá-lo, a Viga d’Ouro “abriu a caixa de Pandora” e promete revelações bombásticas para as próximas horas, com apresentação de novos documentos sobre o caso.


“Em todas as reuniões de câmara, o vereador Fernando Serpa [PS] pergunta se já há arguidos no caso e faz-se um silêncio. Na última reunião tive que dizer ‘agora já há sim senhor: sou eu!’”, relata com ironia o vereador ao Observatório do Algarve.


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